21 julho 2010

Da solidão das coisas / texto de 2003

O ENCANTADOR DE SERPENTES
Mariazinha Cremasco (nov.2003)

Afetadas pela lua
(Fernando Bonassi)
Mulheres que minguam quando a Lua míngua.
Mulheres que incham quando a lua enche
Mulheres períneas: perigeu.
Mulheres apolíneas: apogeu
Mulheres efervescentes, em quartos crescentes, espetadas por
foguetes nas crateras.
Mulheres de fases, de gargalhadas à lágrimas.
Mulheres de faces: claras e escuras.


Esteve sozinha por três dias e, entretanto, não se sentiu só nem por um segundo. Pela primeira vez estava feliz com sua própria companhia. Foi da janela do pequeno apartamento que observou a lua. Minguante, linda (remete à introspecção e auto-análise). Um dia leu um poeminha onde o autor fazia a relação, mulher/lua, "Mulheres que minguam quando a lua míngua". Pensou que podia ser verdade. A lua minguava, e ela também. Mas tal como a lua, ressurgiria nova. Lua nova, nova mulher. E dessa vez era para valer (lua nova: remete a um período a que se dá início a tudo que for novo). Sentia-se assim mesmo: nova. Nova como o satélite natural estaria em sete dias. Renovou-se antes da lua.

Nos três dias de solidão aprendeu a prestar atenção nas coisas, ler nas entrelinhas, perceber os detalhes. Parou de atropelar sentimentos e deu uma freada nos pensamentos insistentes e desordenados. Serenou, baixou a guarda. Num destes dias foi ter com quem pensava ser um guru, e deu de cara com um encantador de serpentes, um hipnotizador. Ele negou ser tudo isso. Disse que, no máximo, poderia, talvez, encantar "pessoas", não serpentes.

Mas com ele aprendeu. Aprendeu a tomar café com canela e sentir seu real sabor. Sorver com carinho e delicadeza, sentir o perfume do pau de canela. Quantas vezes já tinha tomado esse café sem ao menos sentir. Tomava automaticamente, olhando para os lados, sempre apressada. Pressa de que? Pressa de ir a lugar algum. Talvez pressa para fugir de si mesma. Hoje não fugiria. Queria ir fundo, descobrir sua alma, sua essência. E o encantador a ensinava.

Sabia agora que tinha um lugar definido, e o café era o sinal de que esse lugar existia. Com o Encantador de Pessoas aprendia a ver sem olhar, a sentir sem tocar, a "ouvir a escrita", a ler os sinais. Ela era uma PESSOA, uma Vila Rica, feliz com a descoberta. Voltou para casa desejando que a NOVA pessoa ficasse para sempre.

Na estrada o sol brilhava no céu azul, na cidade, o trânsito, o caos e ela ainda tentando ler nas entrelinhas, esforçando-se para manter-se NOVA. Apenas três dias consigo mesma e tanta coisa sentida.
O corpo fala, os olhos, principalmente, e coincidências não existem.


[Serenar: v. 1. Tr. dir. Tornar sereno. 2. Tr. dir. Acalmar, aquietar. 3. Tr. dir. Aplacar, pacificar. 4. Intr. e pron. Acalmar-se, tranqüilizar-se; desanuviar-se, voltar ao estado primitivo. 5. Intr. Abrandar, amainar. 7. Intr. Dançar suavemente. 8. Intr. Chuviscar]